
Sou pernambucano de Palmares, cidade situada a 120 km da capital Recife, e portal da Zona da Mata Sul. Uma cidade no centro de uma região predominantemente canavieira, rodeada por engenhos e usinas. Cresci ouvindo seus codinomes na boca do povo, nas rádios, nos jornais: “A capital do açúcar”, “A terra dos poetas”, “Flor do Una”. Foi ainda garoto que ouvi falar de um ilustre poeta local, morto em 1965, e cujo nome fora dado a uma escola pública. À época ainda não tinha interesse por poesia, mas, achava legal saber que da minha cidade saíra um poeta de renome, que freqüentava os livros de literatura; participou ativamente do movimento literário de seu tempo; a Semana de Arte Moderna, e o Modernismo em si. Um poeta palmarense que tornou-se amigo de Manuel Bandeira, Mario de Andrade, dentre outros.
"os poemas de Ascenso são verdadeiras rapsódias do Nordeste, nas quais se espelha moravelmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos e do sertão". (Manuel Bandeira)
"(...) depois que as personalidades dos iniciadores se fixaram, só mesmo Ascenso Ferreira trouxe pro modernismo uma originalidade real, um ritmo verdadeiramente novo. Esse é o mérito principal dele ao meu ver, um mérito inestimável". (Mario de Andrade)
Ascenso soube traduzir muito bem o ambiente em que vivia, um regionalista nato, nos deixou sua obra nas páginas de "Catimbó" (1927), "Cana caiana" (1939), "Poemas 1922-1951" (1951), "Poemas 1922-1953" (1953), "Catimbó e outros poemas" (1963), "Poemas" (1981) e "Eu voltarei ao sol da primavera" (1985). E também teve alguns poemas musicados, como “Oropa, França e Bahia”, “O trem das Alagoas”, ambos por Alceu Valença. Então, lembrei de dividir aqui na nossa Árvore o meu conterrâneo com vocês.
FILOSOFIA
Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!
“OROPA, FRANÇA E BAHIA"
(Romance)Para os 3 Manuéis: Manuel Bandeira Manuel de Souza Barros Manuel Gomes Maranhão
Num sobradão arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos prá terra.
( "para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar").
...Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!
Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar...
A vida de Manuel,
qque louco alguém o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de "Oropa, França e Bahia"!
— Me dá uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
— Estás idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!
Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim...
Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
"De Oropa, França e Bahia"...
— Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim...
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!
"Ó lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim também
que ando fora dos meus..."
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.
"Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas não são"...
Cantava forte Maria,
pisando fubá de milho,
lentamente no pilão...
Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul...
— Ah! Seu Manuel, isso chega...
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.
— "Onde vais mulhé?"
— Vou me daná no carrosé!
— Tu não vais, mulhé,
— mulhé, você não vai lá..."
Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás...
— Quero a mais pichititinha!
— Raios te partam, Maria!
Essas naus são meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vêm dos confins do mundo...
De "Oropa, França e Bahia"!
Nadavam de mar em fora...
(Manuel atrás de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia...
Faz-se um silêncio nas águas,
cadê Manuel e Maria?!
De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia...
Seu Manuel era um "Boi Morto",
Maria, uma "Cotovia"!
E as naus de Manuel Furtado,
herança de sua tia?
— continuam mar em fora,
navegando noite e dia...
Caminham para "Pasárgada",
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!
— As eternas naus do Sonho,
de "Oropa, França e Bahia"...
A FESTA
Minha filhinha, Papai Noel!
É uma figura tragicômica!
Não se iluda com os seus enredos!
Pois que no meio dos seus brinquedos!
Virá um dia a bomba atômica!.
[Este poema, segundo sua esposa, nasceu depois de um verdadeiro surto ao chegar em casa por época natalina, e, ter destruído toda a decoração. Trancou-se no quarto e saiu mais tarde com os versos num papel.]
Muito obrigado, meus queridos!
Mais aqui: http://www.secrel.com.br/jpoesia/af.html#oropa