"Não tenho gravata.
O último bigode raspei
em 1º de abril de 64.
Darcy menina, inventora da mini-saia
ficou com as crianças,
eu fugi na subversiva perua Volksvagem."
.
"(...)
seus poemas são construídos arquiteturalmente,
num equilíbrio de verbalismo e emoção"
(Ferreira Gullar)
"Seu poder de comunicação chega a ser
contundente, fere mais do que a sensibilidade à flor da pele"
(Cassiano Ricardo)
"Uma continuidade modelar do Modernismo
numa renovada e luminosa expressão"
(Oswald de Andrade)
.
O poeta André Carneiro conheci através de um artigo publicado na antiga e boa revista Planeta – o referido artigo, vinha assinado pelo então articulista, Paulo Urban, que mais tarde, veio a se tornar meu amigo. O Paulo ficou de apresentar-me ao André, mas ainda não conseguimos acertar nossas agendas para visitarmos o poeta, que atualmente reside em Curitiba. Avião? No Brasil? Eu? Vôo, não. Só voo, sem acento (em acordo, com as futuras regras do português - rsrs) e sem assentar em nenhuma cadeira da invenção de meu conterrâneo. Pois é, só voo; assim, ligeiro-rasteirinho e a pé, ou; no trem-bão-que-é-voar-além, na poesia capturada pelas antenas do André.
Informo aos leitores e plantadores do Árvore dos Poemas, que André Carneiro foi o primeiro fruto-poema, que plantei na primeira Árvore dos Poemas lá em casa. E foi essa árvore, que inspirou a criação deste nosso blog, que segue de vento, novas-folhas e frutos-poemas a cada semana aqui no mundo virtual.
André Carneiro com vocês - um dos poetas, que agita meus neurônios, sopra-me ventanias inéditas e literalmente arrepia, os cabelos do meu pensamento.
Informo aos leitores e plantadores do Árvore dos Poemas, que André Carneiro foi o primeiro fruto-poema, que plantei na primeira Árvore dos Poemas lá em casa. E foi essa árvore, que inspirou a criação deste nosso blog, que segue de vento, novas-folhas e frutos-poemas a cada semana aqui no mundo virtual.
André Carneiro com vocês - um dos poetas, que agita meus neurônios, sopra-me ventanias inéditas e literalmente arrepia, os cabelos do meu pensamento.
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ONDAS QUÂNTICAS
O universo só existe
quando observo.
Lento vôo da asa,
teu andar de praia,
a nuvem gorda de água,
desaparecem,
se eu falho.
Penso, algo atravessa
e molda um fato.
O espelho me inventa,
a ruga não sou eu quem traço.
Comprimo o corpo de átomos,
entro nos túneis do mundo
e passo.
Você sorri,
não acredita no inseto dourado
quando eu pouso na face.
Energias quânticas
modelam seios e braços.
Retrato não reconheço,
linhas do rosto, corpo e vontade desmancho,
teço de novo, sou co-autor
sem nenhum quadro.
Explico o momento,
A nave tomba,
gotas translúcidas
giram prótons e nêutrons
neste céu de maio.
Sorriso de cinema vale
vinte e quatro passos
por segundo, o planeta gira
completamente tonto.
Dentro deste verso
sua boca muda,
desliso de skate
no suave das nádegas,
aqueço veias
no ouro caminho do ventre.
A pequena morte pulveriza
meu corpo imortal,
o beijo solda lábios,
só a memória falece.
André Carneiro in Exemplos do Insondável, 1990
.
ESTADO DE ALMA
Encontrei-me com Kafka
nos corredores da justiça.
Ele folheava os compêndios do processo,
eu aguardava o arquivista
enquanto treinava o jeito
de peitar o funcionário.
Peitar (informo para os jovens),
é suborno, chave falsa
para entrar no castelo.
Tenho gavetas cheias de letras,
selos, carimbos,
e os números tatuados no peito,
o telefone ao meu lado
querendo saltar de alegria
ao interurbano que ainda não veio.
De papéis escritos tenho vivido,
um pouco traídos pelo micro.
Quando falo, escrevo um manuscrito
na testa alheia.
Perdido em Kreutzlingen,
me respondiam em dialeto,
eu fazia gestos inúteis,
até um policial de bicicleta
me tomar o passaporte
a recitar alemães filósofos.
Fui índio no Arizona,
pária estrangeiro em toda a parte,
até aqui na fila do restaurante classe média.
Tenho lindas camisas usadas,
calças e sapatos ganhos
de amigos afortunados.
Saqueei lixo em Nova York,
onde achei a mala de náilon
e um telefone vermelho.
O que faço nesta tarde de maio?
(certo é manhã de abril)
mas a poesia é relatório cifrado
para alienígenas do espaço,
a verdade é um susto atrás das letras.
É bom meu estado de alma.
O sol resplandece nos buracos ozônicos,
tenho minha amiga barata
a conversar pelas antenas,
histórias em quadrinhos francesas
e Ulisses com castigo.
Talvez até responda cartas postergadas de Agosto,
(para ser exato: janeiro).
O telefone repousa, depois de um recado perfeito.
A música de fundo vai em um crescendo, até o beijo.
Fins felizes duram segundos.
No acetato deste poema escrevo "The End"
e saio do cinema de mãos dadas.
André Carneiro, in Virtual Realidade, 1992
.
EU ESCAPO
Não tenho gravata,
o último bigode raspei em primeiro de abril
de sessenta e quatro.
Darcy menina, inventora da mini-saia
ficou com as crianças, eu fugi
na subversiva perua Volkswagem.
Tenho pudor de ser poeta,
prefiro escritor, cineasta, hipnotizador emérito,
palavras nem explicam
a economia doméstica,
amordaçam lágrimas ditas femininas,
derramadas pelo sexo másculo.
Há sempre um atrás nos versos
a libertar rostos, mostrar pegadas viscosas
em direção ao seu quarto.
Minhas balas nunca explodiram,
a navalhada espanhola é barbeador elétrico.
Tento ser eclético, abarcar o continente.
Fui Navajo no Arizona,
joguei poker em cartas marcadas,
dou nó em pespontos,
lavo louça sem nenhum interesse.
De onde surgem estas formigas minúsculas?
Deus displicente, esmago-as sem pena,
almas sem micróbios e baratas são desprezíveis.
Do satélite, só avisto a muralha da China
e a floresta amazônica em chamas.
Meu carro tem pontos de ferrugem,
o aço se transforma em marrons abstratos,
alguns botões da camisa fecham ao contrário,
marca feminina do contraste.
Sigo cego o rumo coletivo deste ônibus.
Passam cenhos cerrados,
proíbem beijar de língua nas bibliotecas,
trocar roupas nos alpendres,
casar filhas com negros,
gargalhar no tribunal togado.
A morte vai batendo de porta em porta,
vendendo bilhetes irrecusáveis
aos guardiães da sociedade.
Eu me escondo no banheiro,
disfarço lendo histórias em quadrinhos
e escapo.
André Carneiro in Exemplos do Insondável, 1990.
Não tenho gravata,
o último bigode raspei em primeiro de abril
de sessenta e quatro.
Darcy menina, inventora da mini-saia
ficou com as crianças, eu fugi
na subversiva perua Volkswagem.
Tenho pudor de ser poeta,
prefiro escritor, cineasta, hipnotizador emérito,
palavras nem explicam
a economia doméstica,
amordaçam lágrimas ditas femininas,
derramadas pelo sexo másculo.
Há sempre um atrás nos versos
a libertar rostos, mostrar pegadas viscosas
em direção ao seu quarto.
Minhas balas nunca explodiram,
a navalhada espanhola é barbeador elétrico.
Tento ser eclético, abarcar o continente.
Fui Navajo no Arizona,
joguei poker em cartas marcadas,
dou nó em pespontos,
lavo louça sem nenhum interesse.
De onde surgem estas formigas minúsculas?
Deus displicente, esmago-as sem pena,
almas sem micróbios e baratas são desprezíveis.
Do satélite, só avisto a muralha da China
e a floresta amazônica em chamas.
Meu carro tem pontos de ferrugem,
o aço se transforma em marrons abstratos,
alguns botões da camisa fecham ao contrário,
marca feminina do contraste.
Sigo cego o rumo coletivo deste ônibus.
Passam cenhos cerrados,
proíbem beijar de língua nas bibliotecas,
trocar roupas nos alpendres,
casar filhas com negros,
gargalhar no tribunal togado.
A morte vai batendo de porta em porta,
vendendo bilhetes irrecusáveis
aos guardiães da sociedade.
Eu me escondo no banheiro,
disfarço lendo histórias em quadrinhos
e escapo.
André Carneiro in Exemplos do Insondável, 1990.
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RETRATO DA TERRA
"Parapsicologia legalizou fantasmas,
futuro se tornou presente.
Discos telegrafam que não estamos sós.
E o livre arbítrio,
eternidade do céu e do inferno?
Telequinésia, isótopos, biônica,
cartas Zenner,
cibernética.
Radar acaricia
uma neblina fria
no corpo de Vênus.
Crianças brincam de faz-de-conta,
telescópios provocam as estrelas.
(...) Ano dois mil
fim do mundo.
E os olhos
claros, frios,
do microscópio?
Escrevo um poema.
Na última edição,
crime do punhal,
previsão, tempo duvidoso.
À noite o sono nos recarrega.
Manhã, entre milhões,
calçamos os sapatos,
recomeçamos as tarefas."
de Espaçopleno, 1966
"Parapsicologia legalizou fantasmas,
futuro se tornou presente.
Discos telegrafam que não estamos sós.
E o livre arbítrio,
eternidade do céu e do inferno?
Telequinésia, isótopos, biônica,
cartas Zenner,
cibernética.
Radar acaricia
uma neblina fria
no corpo de Vênus.
Crianças brincam de faz-de-conta,
telescópios provocam as estrelas.
(...) Ano dois mil
fim do mundo.
E os olhos
claros, frios,
do microscópio?
Escrevo um poema.
Na última edição,
crime do punhal,
previsão, tempo duvidoso.
À noite o sono nos recarrega.
Manhã, entre milhões,
calçamos os sapatos,
recomeçamos as tarefas."
de Espaçopleno, 1966
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QUANTICA REALIDADE
.
Na pequena morte
ressuscito o mundo estranho
da minha cabeça.
Sou o mandarim no sonho da borboleta.
Vivo a irrealidade dos fatos
sem a memória acordada.
Neste próximo milênio
faço 15 bilhões de anos.
Ainda tenho na ponta do dedo
um átomo girando do big-bang.
A cobra,
desesperada
com a falta dos braços,
abraça Eva com o corpo inteiro.
Os avós peixes não se lembram
quando saíram da água.
Não há mais opostos:
real e imaginário,
passado e futuro,
vida e morte.
As palavras caíram
no lago global do esquecimento,
a quântica relatividade dança conosco
no espaço curvo deste planeta redondo.
ressuscito o mundo estranho
da minha cabeça.
Sou o mandarim no sonho da borboleta.
Vivo a irrealidade dos fatos
sem a memória acordada.
Neste próximo milênio
faço 15 bilhões de anos.
Ainda tenho na ponta do dedo
um átomo girando do big-bang.
A cobra,
desesperada
com a falta dos braços,
abraça Eva com o corpo inteiro.
Os avós peixes não se lembram
quando saíram da água.
Não há mais opostos:
real e imaginário,
passado e futuro,
vida e morte.
As palavras caíram
no lago global do esquecimento,
a quântica relatividade dança conosco
no espaço curvo deste planeta redondo.
do ainda inédito Asas da Sobrevivência
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Contato do André Carneiro é andrecarneiro77@hotmail.com
Agradeço a amiga sempre atenciosa Valéria c, pela arte desta postagem.
5 comentários:
Irmão... vc é "duCarvalho", vc é! Vim conhecer seu Poeta, e me deparo com uma "floresta" poética. O verso da imagem, putz! a arte brilhante de Val (perfect), e esse mergulho poético que dei no universo de André Carneiro, e, sem vontade de vir à tona... Mto prz em conhecer! Algo entre a leveza e a profundidade (pode?) rs, senti isso.
vlwss, Dio!
[]´s
Esta árvore nos enriquece cada vez mais. André Carneiro tem uma biografia e tanto. Artista em tantas áreas e tão completo como poeta. Gosto muito desta poética que ultrapassa o ser pessoal para o universal.
A imagem-arte de Val ficou perfeita com a frase escolhida.
Pesquei por aí esta frase dele com a mesma temática: "Matéria-prima das galáxias, sou barro para esculpir a vida eterna".
Adorei tua escolha Dio.
carinhos
pois é, desconfio que já tenha sido um melhor leitor de poesia... nunca tinha ouvido falar neste poeta apresentado aqui por ti. carneiro brasileiro e literato, só conhecia geraldinho (que é bom também). e do poema "eu escapo", tiro uma lição: acho que vou voltar a ler histórias em quadrinhos (rss...) 1 abraço.
nossa que tava difícil comentar aqui!!!
eu já gostei do poeta. e foi gostoso "fazer" a imagem por gostar do poeta e do moço aí que nos mostrou o poeta...
beijo Dio!
, não conhecia andré carneiro. legal da árvore é isto. legal também foi a arte de valéria.
, abraços meus.
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